Lendas e Narrativas by Alexandre Herculano

Lendas e Narrativas by Alexandre Herculano

Author:Alexandre Herculano [Alexandre Herculano]
Language: eng
Format: epub
Published: 0101-01-01T00:00:00+00:00


[(*) Arquitetos sarracenos que se espalharam pela Grécia, Itália, Sicília e outros países, durante certo tempo: um avultado número de artífices cristãos, principalmente gregos, juntaram-se com eles e formaram todos uma corporação, que tinha as suas leis e estatutos secretos, e cujos membros se reconheciam por sinais. Essa foi a origem da Maçonaria.]

Por engenho e mãos de portugueses devia ser concebido e executado, até seu final remate, o monumento da glória dos nossos; e eis aí que ele chamou de longes terras oficiais estranhos, e os naturais lá foram mandados adornar de primorosos lavores a igreja de Guimarães. Sei que não seriam nem eles nem eu quem pusesse esse remate; mas nós deixaríamos sucessores que conservassem puras as tradições da arte. Perder se á tudo; e, porventura, tempo virá em que, nesta obra dos séculos, não haja mãos vigorosas que prossigam os lavores que mãos cansadas não puderam levar a cabo. Então o livro de pedra, o meu cântico de vitória, ficará truncado. Mas Afonso Domingues tem uma pensão de el rei...

Em uma das casas que ficavam mais próximas, daquelas de que fizemos menção no princípio deste capítulo, ergueu se a adufa de uma janela no momento em que o cego proferia as últimas palavras, e uma velha, em cuja cabeça alvejava uma toalha muito branca, gritou da janela:

– Mestre Afonso, quereis recolher-vos? Está pronta a ceia, e começa a cair a orvalhada, que a tarde vai nevoenta.

– Vamos lá, vamos lá, Ana Margarida; vinde guiar-me.

E Ana Margarida, ama de mestre Afonso Domingues, saiu da porta com a roca ainda na cinta, e o fuso espetado entre o linho e o ourelo que o apertava. Chegando ao pé do velho, tocou-lhe com o braço, em que ele se firmou, tornando a erguer-se.

– Boas tardes, padre-prior – disse a ama, fazendo sua mesura, seguida de um lamber de dedos e de dois puxões nas barbas da estriga quase fiada.

– Vá na graça do Senhor, filha – respondeu Frei Lourenço, e acrescentou, dirigindo-se ao cego:

– Meu irmão, Deus aceita só ao homem, em desconto da grande dívida, a dor calada e sofrida. Resignai-vos na sua divina vontade.

– Na dele estou eu resignado há muito: na dos homens é que nunca me resignarei.

E Ana Margarida, que tinha a ceia ainda no lume, foi puxando o cego para a porta de casa.

– Ai, Afonso Domingues, Afonso Domingues! Vai-se-te após a vista o siso. Aborrecida coisa é a velhice. Não vos parece, Frei Joane?

Isto dizia o prior, voltando-se para o outro frade, que supunha estaria atrás dele; mas Frei Joane tinha desaparecido dali manso e manso. Alongando os olhos ao redor de si, Frei Lourenço viu-o em pé sobre uma pedra a alguma distância.

O prior ia a perguntar-lhe o que fazia ali, quando o reverendo procurador saltou a correr, bradando:

– Ganhastes, padre-prior; ganhastes!... Eis el-rei que chega.

E, com efeito, Frei Lourenço, volvendo os olhos para o cimo de um outeiro, viu uma lustrosa companhia de cavaleiros, que, com grande açodamento, descia para o vale do mosteiro.



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